A desafetação de áreas verdes irregularmente ocupadas nas áreas urbanas dos municípios

A utilização de áreas verdes encontra amparo na tutela jurídico-ambiental, vez que representam importantes locais de preservação ambiental, em especial nos centros urbanos, que mais sofrem as conseqüências do progresso insustentável.

Para que se possa compreender o contexto da desafetação de áreas verdes, preliminarmente cumpre esclarecer alguns conceitos:

1. Bens Públicos

Sinteticamente, os bens públicos são compostos por todas as coisas que se submetem ao domínio estatal. Eles se distinguem dos bens particulares, que estão sujeitos ao regime do direito civil, os bens públicos, por sua vez, são policiados pelo Estado, através do direito público, pelo Estado, por este tutelados, permitindo-lhes o uso geral ou especial pelo povo.

O Código Civil aponta claramente que os bens públicos são inalienáveis e que isto é uma peculiaridade desta matéria. Destaque-se que peculiar é algo próprio, especial, um atributo essencial de uma pessoa ou coisa.

2. Bens de Uso Comum do Povo ou do Domínio Público

Consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que se destinam, de forma geral, à utilização pelos indivíduos, sem necessidade de autorização ou permissão, ou seja, são todos os locais abertos à utilização pública, porém, que permanecem sob a administração e vigilância do Poder Público, que possui o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público em geral.

Exemplos de bens de uso comum do povo são os mares, as praias, os rios, as estradas, as ruas, as praças, as áreas verdes, áreas de lazer, etc.

3. Função Social da Propriedade

Primeiramente, deve-se reconhecer que a função social da propriedade não está restrita ao bem imóvel, mas todo e qualquer bem ou patrimônio que o ser humano possui.

A propriedade contém poderes e deveres. A função social prevista no Art. 5º, XXIII, 170, III, 182 e 184 da CF/88, é elemento conformador da propriedade, que aparece como uma de suas muitas facetas. Deve a propriedade ser cumpridora da sua função social, não se configurando como um limite da mesma, pois a função social não compõe obrigação imposta ao proprietário.

O Código Civil, em seu Art. 1.228, determina que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com sua função econômica, social e ambiental e o seu uso há de contribuir para o bem da coletividade.

A cidade é composta por propriedades e somente alcançará sua função social quando estas propriedades formarem um conjunto harmônico e sustentável. Não há como falar em cidade sustentável ou cumpridora de sua função social quando não existem os meios legais para exigir o cumprimento desta função.

4. Afetação e Desafetação

Qualquer bem que integre o domínio público, rege-se pela norma que o tutela. Assim, os bens de uso especial, ou de uso comum do povo, como, por exemplo, uma praça, estarão afetados à finalidade que se destinam.

A desafetação consiste no inverso, ou seja, a alteração da destinação do bem, de uso comum do povo ou de uso especial, para a categoria de dominicais, desonerando-o do gravame que o vinculava à finalidade determinada.

A desafetação poderá ocorrer por fato jurídico, ato administrativo ou lei. Quanto ao bem de uso comum do povo, este poderá, em regra, ser desafetado por lei, ou ainda ter   sua destinação alterada para uso especial.

5. A Impossibilidade de Desafetação de Áreas Verdes

A desafetação de áreas verdes, decorrente de invasão, consiste em prática ordinariamente utilizada na administração pública municipal, visando, muitas vezes, a doação a moradores ou a instituições de natureza privada.

Conforme dados do IBGE, o crescimento demográfico urbano vem aumentando ano a ano. Tal situação gera conseqüências negativas inimagináveis sem o devido planejamento. A qualidade de vida nos grandes centros urbanos sofre agravantes, em razão da falta de planejamento do trânsito, aumento da criminalidade, pela falta de saneamento, ou pela falta de qualidade ambiental.

Diante disto, deve-se buscar a conscientização acerca da função ambiental da cidade. O Estatuto da Cidade, em vigor desde 2001, muito colabora para retomar a qualidade de vida urbana, mas é preciso colocar as suas determinações em prática, com leis municipais que objetivem a sustentabilidade urbana.

As funções sociais da cidade, como interesses difusos, devem compreender o acesso de todos os que vivem na cidade à moradia, aos equipamentos e serviços urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, enfim aos direitos urbanos que são inerentes às condições de vida na cidade.

O princípio do desenvolvimento sustentável visa a utilização adequada dos recursos naturais, de forma a atender as presentes e futuras necessidades.A política de desenvolvimento urbano deve, sob pena de conflito com as normas constitucionais vigentes, atender as necessidades essenciais da população carente, respeitar os direitos humanos e objetivar o desenvolvimento sustentável.

A busca pela qualidade de vida não deve esbarrar no desenvolvimento insustentável dos centros urbanos.

A Constituição Federal, em seu art 225,  assegura a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, sendo este um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, determinando que compete ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Da mesma forma, a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei n. 6938/81, é explícita ao tratar da necessidade de qualidade de vida a todos, em seu art. 2º, objetiva a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, assegurando o desenvolvimento sócio-econômico, a proteção da dignidade da vida humana, a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

Ainda sobre a necessidade de manutenção da qualidade de vida, a arborização exerce um papel importante para o homem que vive nos centros urbanos. Uma cidade, uma avenida, uma rua, uma praça arborizada torna o lugar mais agradável. Assim, não há possibilidade de desafetação de área verde, que se destina à preservação ambiental.

Com este propósito, a desafetação de bens de uso comum do povo, em que pese administrativamente possa vir a ser válida, é incompatível com a tutela ambiental, tampouco com a urbanística. Assim, não há como conceber que o ente público, que possui o encargo constitucional da proteção ambiental, degrade a área que recebeu para preservar.

As áreas verdes foram postas sob a tutela da Administração Municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse da população, face a interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função “ut universi”. Constituem um patrimônio social comunitário, colocado à disposição de todos. Nesse sentido,  a desafetação de áreas verdes prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo.

Não parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. O grande perigo é a ação a longo prazo – hoje uma praça, amanhã um espaço livre, depois de algum tempo outra praça, finalizando-se por empobrecer totalmente a comunidade.

Destarte, não tem o Estado, sob qualquer aspecto, direito pleno e universal sobre o patrimônio que está sob seu domínio, principalmente nas situações onde o bem, além de integrar categoria ambientalmente relevante, necessária a manutenção da qualidade de vida da sociedade, foi incorporado ao domínio público com finalidade específica.

6. Considerações Finais

Diante do exposto, conclui-se que a área de uso público, destinada a manutenção de área verde, que integra o domínio público municipal, não pode ter sua destinação alterada. A responsabilidade sobre o local é do Poder Público, que deve assumir este encargo e cumprir com a sua obrigação da maneira mais correta possível.

Ademais, conforme disposto no artigo 225 da Constituição Federal, o município não dispõe de forma absoluta dos bens de uso comum do povo, vez que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Não se admite, atualmente, a degradação das poucas áreas verdes que ainda restam nos centros urbanos. E aquelas que venham a existir, devem ser protegidas, vez que representam a qualidade estética, paisagística e ambiental da região.

Desta forma, a desafetação de área verde contraria todo um processo administrativo que atendeu a legislação e exigências administrativas, visando, pois, compensar o meio ambiente urbano e o município não pode exonerar-se desta responsabilidade sob pena de prejuízos ambientais irreparáveis.


REFERÊNCIA

BRASIL, 2012. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário oficial da União, 05 ago. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Acesso em: 01 abr. 2014.

BRASIL, 2012. Presidência da República Federativa do Brasil: Legislação Federal. Disponível em http://www2.planalto.gov.br/presidencia/legislacao
Acesso em: 02 fev. 2014.

SILVA, Maurício Fernandes da. A desafafetação de áreas verdes advindas de aprovação de loteamentos perante a tutela ambientalJus Navigandi, Teresina, ano 8n. 11325 out. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4208.
Acesso em: 13 fev. 2014.

www.mpambiental.org/?acao=pecas-pop&cod=78

www.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15206-15207-1-PB.html

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